quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

'iguais em tudo na vida'

Parece que em versos o mundo não me leva tão à sério. Parece que precisam ser olhados com expressões grosseiras e mãos calejadas para alguma reflexão lhes ser bem-vinda. Não caracterizarei culpados por hoje. Mas, não sei se é possível requerer de alguém que não é individualizado a refletir como indivíduo. Os tantos severinos de João Cabral talvez não soubessem fazer outra coisa senão morrer 'de fome um pouco por dia...'. Como ouso clamar a um severino que me acompanhe em qualquer meditação se não lhe ofereço a tinta para o sangue, os tijolos de sua estrutura para que não desmorone em meio às minhas perguntas?

Como ouso?






[...]

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
[trecho do auto Pernambucano MORTE E VIDA SEVERINA, João Cabral de Melo Neto]


[foto: Sebastião Salgado]

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