sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

algum determinismo, ou algum livre-arbítrio?


E se Einstein, em vez de em um distrito alemão no séc. XIX, nascesse hoje na favela do Complexo do Alemão em pleno Rio de Janeiro do séc. XXI? Seria possível ainda ser Albert Einstein, ou o meio o definiria como mais um abrigo de feridas de facões e balas de um AR-15?

Se assim fosse, ao pesquisá-lo no google, deveria digitar a data de seu assassinato em vez de um nome conhecido. Se mesmo assim não o encontrasse nas manchetes on-line, pelo fato de não ter atirado na boa moça antes de morrer, a maneira mais fácil de o encontrar provavelmente seria nos arquivos da PM do Rio, ou, mais provavelmente ainda, eu o encontraria junto a milhares de outros em uma barra de gráfico de mortalidade na revista Veja!

Quem vai negar? Algum tipo de determinismo está mais que escancarado. Se o Einstein do Complexo do Alemão punhasse uma nova teoria, aposto que de Teoria da Relatividade tornaria a ser Teoria da Falta de Oportunidade. Quem vai negar?

Tenho refletido sobre essas questões todas de livre-arbítrio, seu ponto de partida, suas fronteiras, sobre a determinação do meio sobre as escolhas e possibilidades de escolha que temos. É fácil olhar para a foto de um menino como este acima e enumerar as melhores decisões que o levariam a uma possível vida de sucesso. Mas onde estão os jarros para ele beber dessas escolhas? Estão em nossas mãos. E quando lhes damos os jarros, ainda nos espantamos de não surtir o efeito esperado. Só não percebemos que demos os jarros já vazios.




.QUEM VAI NEGAR?

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

'iguais em tudo na vida'

Parece que em versos o mundo não me leva tão à sério. Parece que precisam ser olhados com expressões grosseiras e mãos calejadas para alguma reflexão lhes ser bem-vinda. Não caracterizarei culpados por hoje. Mas, não sei se é possível requerer de alguém que não é individualizado a refletir como indivíduo. Os tantos severinos de João Cabral talvez não soubessem fazer outra coisa senão morrer 'de fome um pouco por dia...'. Como ouso clamar a um severino que me acompanhe em qualquer meditação se não lhe ofereço a tinta para o sangue, os tijolos de sua estrutura para que não desmorone em meio às minhas perguntas?

Como ouso?






[...]

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
[trecho do auto Pernambucano MORTE E VIDA SEVERINA, João Cabral de Melo Neto]


[foto: Sebastião Salgado]